A Igreja em estado permanente de missão

Deus, ao criar Adão, o primeiro homem, após formar o seu corpo do pó do solo, soprou sobre ele um “sopro de vida”, surgindo assim o ser humano completo, corpo e alma (Gn 2, 7).

Assim, Jesus, durante sua vida pública, formou o corpo da Igreja: convocou os Apóstolos, a quem deu a sua autoridade; escolheu Pedro para o chefe, a pedra, e deu-lhes o poder de transmitir a graça e os seus ensinamentos. Estava formada a hierarquia, a Igreja, que, junto com os outros discípulos, formava o corpo da Igreja. Faltava agora a alma, o sopro da vida, alma da Igreja, é o Espírito Santo, que Jesus enviou sobre os Apóstolos, sobre a sua nascente Igreja. Agora a obra está completa.

Vale recordar que Jesus Cristo, o grande missionário do Pai, envia seus discípulos em constante atitude de missão. Quem se apaixona por Jesus Cristo deve transbordá-lo no testemunho e no anúncio de sua pessoa e mensagem. A Igreja existe para anunciar, por gestos e palavras, a pessoa e a mensagem de Jesus Cristo. Fechar-se à dimensão missionária implica fechar-se ao Espírito Santo atuante, impulsionador e defensor. Em toda a sua história, a Igreja nunca deixou de ser missionária.

Foi o Espírito Santo que completou a obra de Cristo, santificando os Apóstolos, transformando-os de fracos em fortes, de medrosos em corajosos, de ignorantes em sábios, para assim pregarem o Evangelho de Jesus a todos os povos, enfrentando a sabedoria pagã, as perseguições e até a morte, pela causa de Cristo. E até hoje, é o Espírito Santo que dá força aos mártires, testemunhas do Evangelho até o derramamento do sangue, o vigor aos missionários e pregadores, a ciência aos doutores, a pureza às virgens, a perseverança aos justos e a conversão aos pecadores. É o Espírito Santo que garante a indefectibilidade e a infalibilidade à Igreja, até ao fim do mundo. Nenhuma sociedade humana sobreviveria a tantas perseguições, tantas heresias e cismas, tantos inimigos externos e internos tantos escândalos da parte de seus membros, tantas dificuldades… Se não fosse a ação do Espírito Santo que a mantém incólume no meio de todas essas tempestades, até a consumação dos séculos.

Foi esse espírito que animou a ação apostólica de São Francisco Xavier em todo o Oriente, a qual foi fecundíssima. E é neste redescobrir missionário, que emerge, em primeiro lugar, o papel de cada pessoa batizada em todos os lugares e situações em que se encontrar. Trata-se do testemunho pessoal, base sobre a qual o explícito anúncio haverá de ser construído.

Depois surge a urgência de se pensar estruturas pastorais que favoreçam a realização da atual consciência missionária. Esta “deve impregnar todas as estruturas eclesiais e todos os planos pastorais”. Não se trata, portanto, de conceber a atitude missionária ao lado de outros serviços ou atividades, mas de dar a tudo que se faz um sentido missionário, estabelecendo, neste conjunto de atividades desenvolvidas, algumas urgências que ajudem todos os batizados a efetivamente se reconhecerem como missionários.

Jesus quis a Igreja para falar de Deus ao mundo e para que o homem se converta e viva. Mas, ao invés, sempre mais frequentemente nos deparamos com livros escritos por cristãos e intervenções públicas de Pastores que descrevem ou induzem a compreender a Igreja como fenômeno geográfico e político, a ponto de se julgar a eficácia caso vença ou não o desafio, ou melhor, os desafios (palavra preferida de leigos e eclesiásticos colocadas a ela naturalmente e sempre pelo mundo). 

Mas a Igreja é chamada justamente a isso? Essa é a sua missão? Esse é o motivo pelo qual seu fundador Jesus Cristo a instituiu? Hoje, a sua própria extensão global, fato pelo qual recebe o atributo de católica, pretende-se que seja avaliada segundo os parâmetros das multinacionais: ou seja, quanto do produto religioso de um continente esta consegue implantar em outro, de preferência com todas as atenções à inculturação, outra palavra mágica que Jesus infelizmente não conhecia no momento em que convidava os seus a ir a todo o mundo. Tanto é verdade que hoje é mais importante que um missionário saiba tudo da cultura dos homens de uma nação do que da sua sede de Deus, sempre igual em todos os tempos e sob todas as latitudes. Pois bem, hoje se tornou mais importante entender os desafios que as culturas e as mentalidades representam para a Igreja do que não o apelo à conversão que Jesus desejava e deseja dirigir a todo homem de todos os tempos, anunciando-lhe o Evangelho, já que, no seu início, há o apelo à conversão (cf. Mc 1,14-15).

A dimensão missionária não é, portanto, mais uma realidade a ser trabalhada, mas é a exigência que deve estar presente em tudo o que se faz. As iniciativas, preocupações e programas pastorais devem estar impregnados pelo anseio e o compromisso de anunciar Jesus Cristo!

O Senhor fez a Igreja para doar ao homem o conhecimento d’Ele do Pai; por isso, o encontro com Jesus é a motivação exaustiva de toda sua ação, inclusive social. E isso explica o motivo pelo qual à Igreja não importa, e não pode importar muito, o sucesso mundano ou a resposta, e talvez a vitória, sobre os desafios do mundo. Cristo disse que já venceu o mundo (cf. Jo 16,33): em que sentido? Basta que um único homem abandone o pecado e se converta ao amor de Deus. Se depois, como acontece, isso ocorre a muitas pessoas em uma nação mais do que em outra, em um tempo mais do que em outro, é somente por causa da sua graça e não do plano pastoral – outra palavra hoje abusada, que substituiu aquela bem mais significativa de apostolado -. Assim renasce sempre desde o início do povo de Deus. E a Igreja tem a única tarefa de custodiar a fé do povo de Deus.

A consciência missionária “deve impregnar todas as estruturas eclesiais e todos os planos pastorais, a ponto de deixar para trás práticas, costumes e estruturas que, por corresponderem a outros momentos históricos, atualmente já não favorecem a transmissão da fé. O que derruba as estruturas caducas, o que leva a mudar os corações dos cristãos, é justamente a missionariedade” (Diretrizes Gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil 2015-2019. N° 40).

A conversão e a fé não dependem simplesmente das formas e dos modos, da adaptação – como se diz – das categorias teológicas elaboradas no Ocidente. Dois exemplos: à Igreja, depois de cuidar de cada homem doente, não se pede para elaborar ou apoiar planos de saúde de prevenção da AIDS, mas ajudar cada ser humano a entender que o coração e o corpo, se for abstêmio de toda impudicícia, como diz Paulo, não contraem nenhuma doença física e moral; à Igreja não se pede para ser majoritária mais que minoritária em um continente, ou entender como é vista pela mentalidade dominante, sua tarefa é manter o único diálogo que Jesus veio promover com homens religiosos ou não, morais ou imorais, mas que sejam todos atraídos por Ele, tenham o desejo de abrir-se a Deus e converter-se.

Quando falamos da atividade missionária da comunidade eclesial, precisamos passar da missão à missionariedade, do objeto o que fazer ao sujeito quem vai fazer do mandato missionário. Não é suficiente perceber a necessidade da missão, mas é fundamental tomar consciência de que toda a Igreja, e nela cada batizado ou batizada, é o sujeito da missão. Fica, pois, muito claro que toda a Igreja é por sua natureza missionária.

Desta forma, os cristãos não podem permanecer passivos, reduzindo, muitas vezes, sua pertença eclesial a momentos rituais. É preciso colocar toda a Igreja em “estado permanente de missão”. A Igreja é toda missionária em seus membros que agem de diversos modos, de acordo com a multiplicidade e a variedade dos carismas e dons. É em cada um de seus membros que a comunidade cristã coloca-se a serviço da evangelização e é enviada para pregar o Evangelho a toda a criatura.

Por Seminarista José Raimundo Almeida